quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O PROFISSIONAL

Meio zarolho, meio balofo e meio borocoxô, Cornélio Manso marchou do banheiro em direção à sala; tropeçou numa garrafa de Ballantine's esquecida no chão, quase caindo, apagou o cigarro no cinzeiro abarrotado de bitucas fumadas até a ponta, sentou-se na frente do computador e sapecou os primeiros paragrafos de mais uma crítica teatral:

"Marcado para às 20 hs, às 21: 30 a cortina se abriu e a atriz Clitória Porras, que ganhou uns quilinhos extras após três anos fora dos palcos iniciou o primeiro ato aparentemente mais empenhada em disfarçar a silhueta fat mamma do que contracenar com o afrancesado Vaimmau Volteir..."

Ele assiste duas ou três peças na semana, às vezes duas na mesma noite, faz anotações básicas e depois desenvolve os textos dividindo-os em blocos.
À algumas peças dedica maior tempo, à outras nem tanto, porém é ácido sem exceção.

"...Em teatro falta tudo, menos papel crepon e veado..."

Cornélio começou a carreira intelectual como foca do jornal A notícia. Ficou cinco meses trabalhando na pagina policial, mas não aguentava ver sangue, e cadáveres deixava-o facilmente deprimido. Foi salvo pelo gongo; melhor dizendo, apadrinhado no caderno dois pelo editor-chefe Cretinus Maria Gongo. Em comum ambos apreciavam uísque Ballantine's com veneno de cascavel.
Teatro mesmo conheceu sob influencia da atriz iniciante Divina Bockete, com quem viveu um amor não-correspondido, pois Divina deu preferencia matrimonial ao ator José da Silva, que aconselhado por ela passou a chamar-se Vaimmau Volteir.

"...Se miss Clitória está longe de ser uma diva, o seu partner Vaimmau Volteir no papel de mulherengo não convence ninguem. Gostei mais dele em Gaiola das loucas..."

O fato é que o sucesso como crítico de teatro levou Cornélio a dedicar-se quase que totalmente ao ofício, obrigando-o a confinar-se em seu apartamento na companhia do computador, do papagaio Tião e das lembranças de um amor não-correspondido.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

terça-feira, 13 de outubro de 2009

UMA GOTA DE RANÇO

Durante toda a década de setenta e finalzinho dos anos oitenta ainda não admitiamos a existencia do racismo no Brasil e negros sendo barrados em restaurantes ou discriminados pela polícia acontecia apenas por eles terem caras de pobre. A polícia ia passando, via um crioulo fazendo cooper, achavo-o suspeito e entrava em ação: "Parado aí, seu pobre, senão eu atiro!"
Naquela época contar piadas racistas em público de tão comum até parecia um direito constitucional: " ... Aí o pobre aproximou-se da jaula e o macaco perguntou: Irmão, dava prá você me ceder o telefone do seu advogado ? "
Hoje o racismo é reconhecido em todo o território nacional, ainda assim, continua veladinho que só ele. Tal dissimulação ocorre devido a três motivos básicos: Primeiro, o brasileiro tem medo de conflitos, segundo, nosso raciocínio racista é de origem lusitana - flexivel e focado na preservação da beleza estética branca independente da pureza racial, ao contrário do modelo purista ariano do norte da Europa - ; terceiro, sua estratégia consiste justamente na negação do racismo. Portanto, no caso do Brasil, precisamos considerar algumas nuanças cognitivas da palavra racismo no cotidiano da sua prática historica para não cairmos em conversa mole, a exemplo do discurso do sociólogo Demetrio Magnoli, autor do livro Uma gota de sangue, História do pensamento racial, que astutamente limita-se a discutir a questão racial brasileira girando em torno do sentido etimologico dessa palavra na forma mais literal. Tanto cuidado tem o propósito de provar a inexistencia de uma ideologia racista que justifique a política das cotas para negros, como se a exclusão política - economica - social imposta aos afro-brasileiros durante mais de cem anos, cuja sequelas continuam prejudicando-lhes, já não fosse justificativa suficiente. Por isso alegar que as cotas não são cabíveis simplesmente porque não há segregação racial no Brasil chega a ser patético. Entretanto, mister Mgnoli tem uma gota de razão afirmando que a escravização dos africanos foi determinada por fatores distintos a detalhes raciais especificos, pois ao invés deles poderia ter sido os Aborigenes; agora, negar motivações raciais incutidas nesse processo é no mínimo má vontade, dado que nossos colonizadores sustentavam moralmente as conquistas no tripé da supremacia intelectual ( eram civilizados ), religiosa ( eram cristãos ), e étnica ( eram brancos ). Logo, os escravos em lugar dos africanos poderia ter sido os Aborigenes, sim; mas dificilmente os escandinavos.
Finalizando, só prá zoar, imaginem aí um escravo austriaco-descendente atormentado por um senhor identico ao Lazaro Ramos, com a chibata na mão, cantando: Trabalha, trabalha, branco ...

sábado, 3 de outubro de 2009